04 dezembro 2016

COMO O PODER ADORA A NORMALIDADE, A ESTABILIDADE



SEM DÚVIDAS 
SEM REVOLUÇÕES 
O MUNDO É 
O QUE DEVE SER














Não é a normalidade que provoca movimentos revolucionários capazes de alterar o caminho do mundo ou o rumo dos homens, ou mesmo, simplesmente a vida de um homem.

O que é meramente normal, podemos defender como tudo aquilo que não tem nada em si de diferente do que é, do que foi e potencionalmente do que será. Não produz mudanças, alegrias, metamorfoses, conquistas, realizações fecundas, não contribui para o progresso nem para o movimento do mundo, do homem ou da vida.

O que é meramente normal é o ser aprisionado num quotidiano sem emoções, sem dúvidas, sem perguntas, sem interrogações. É deixar que o mundo siga paulatinamente o seu caminho e a terra não deixe de girar sobre si e em torno do sol, é acreditar que o sol desponta cada manhã, que depois do dia vem a noite, que pode chover ou fazer sol, que existem noites com e sem estrelas, com e sem lua, e que a vida é passar um gigantesco número de dias, menos de meses, e muito menos de anos, até que um dia, o último se dá o apagão e termina tudo.

Existem pessoas totalmente normais. Tudo que vai marcando a sua existência é normal, as circunstâncias são absolutamente sem motivo de particular atenção, e tudo decorre como deve decorrer, o homem nasce, cresce, se casa, tem filhos, os educa e os vê crescer, casa os filhos, vai envelhecendo e morre. Tudo normal, sem acidentes, sem problemas especiais, sem crises nem conflitos, sem perguntas ou reflexões.

Uns sustentam que essas pessoas foram felizes, foram protegidos pela sorte e nunca tiveram sobressaltos. Tudo nas suas vidas decorreu como devia ser. Na sua jornada pela existência terrena passaram serenos, sem beliscar seja o que pudesse ser, sem ser alvo de qualquer vicissitude que pudesse criar um conflito, um problema, uma crise com apreciáveis consequências. Não conheceram a adversidade, inimigos, ser alvos da maldade ou da inveja, estiveram sempre afastados dos conflitos, da violência de qualquer confronto. Também nunca foram seduzidos por ideais, por desejos, por paixões, por sonhos, por sentimentos interiores de repúdio, revolta ou vontade de mudar alguma coisa. Não lutaram por nada e nada lhes pareceu suficientemente questionável para que tivessem de tomar posições firmes ou tivessem de mobilizar-se para uma qualquer batalha. O mundo lhes pareceu existir rigorosamente como deveria ser. E de igual modo sentiram a vida, sua e a dos outros, mesmo que, como seria natural, não fosse prioritário ou mesmo interessante olhar o outro. E eles mesmos percorreram a vida sem dúvidas, sem erros, tudo demasiado simples, de um modo que lhes fez sentir a felicidade e como a vida era boa.

Outros teorizam em sentido inverso; essa gente normal passa pela vida, somente, e quando morre, termina uma existência sem qualquer facto que mereça nota, passaram pela vida, existiram mas nem viveram nem chegaram a conhecer o mundo e a vida. Não viram os outros à sua volta nem se interessaram por eles, o mundo apenas lhes interessava na medida em que aí habitavam e vendo satisfeitas as suas poucas e pouco exigentes necessidades tudo se afigurava bem. Não tiveram dores de cabeça com filosofias, não andaram perdidos em reflexões, nem eram vítimas de dúvidas ou lamentavam erros cometidos, nem choravam as desgraças que aconteciam aos outros um pouco por todo o mundo. Não sofreram de amor, nem perceberam bem de que se trata esse fenómeno que parece inquietar e mover milhões de pessoas, mas em boa verdade, não sentiram isso, se casaram com quem lhes pareceu ser a melhor pessoa para viver, sem excessivos destemperos procriaram, e sempre mantiveram qualquer coisa que os fez estar bem com um outro, que nunca conheceram de verdade, mas que era companhia certa, na mesa, na cama e na escassa vida com os outros. Viveram em paz, tal qual como morreram. Tudo foi paz, tranquilidade, segurança, confiança, bem estar, tanto que parecem ter vivido num outro cosmos, indiferentes às tropelias, às inseguranças, à violência, aos problemas que assaltavam o seu semelhante, como o planeta, com a economia, com a política, com a justiça, com a fome, a droga, o crime, a corrupção, os valores, o pão, saúde. Em boa verdade, e eu defendo esta tese, não viveram, estiveram sempre alheados do mundo, da vida e dos outros, e por uma qualquer acção de autor desconhecido, nunca necessitaram sair de um casulo que os protegia e afastava da realidade, os mantinha mas lhes cerceava o conhecimento, os fazia superar cada dia sem que tivessem de lutar para obter fosse o que fosse, os fazia aceitar tudo como existia e era.

Estes seres normais são desejáveis, descartáveis, aceitam tudo, não complicam, não exigem, não reclamam. Com eles o mundo seria imaginável, apenas poderíamos nos equivocar no século onde colocar o homem. Não lhes faria diferença colocá-los no século XV, ou no século X, ou antes de Cristo. Tudo está bem. O mundo é o que deve ser. Existem.

Com as pessoas ditas normais, que infelizmente, são em número demasiado expressivo, não podemos esperar companheiros de mudança, de reivindicações, de progresso. Com eles, nem as guerras se justificariam, nem as causas, nem as ideias, nem os sonhos. Com eles o mundo não conheceria revoluções, seria sempre igual. E seria bom para todos os animais da terra, aí podiam existir plenamente, mas para o homem essa limitação a uma existência sem nada mais, é algo demasiado cinzento, sem brilho, sem cores. É uma tristeza.










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