"COM A MORTE NA ALMA"
Dizia Nietzsche que só acreditava em quem escrevia com o seu próprio sangue. Achava que a frase traduzia a profundidade de se sentir na carne e no espírito o que as mãos transcreviam para uma folha papel. Achava que o filósofo desvalorizava simplesmente os que escreviam por escrever, por ter jeito, espírito criativo, riqueza de expressar e domínio da língua e das técnicas.
Hoje, pela primeira vez senti uma nova interpretação para essa frase que conheço faz imensos anos. Acho que o acto de escrever pode ser um pouco de nós que vai atrás de cada palavra, uma energia que perdemos com uma nova frase, e uma exaustão completa e incompreensível, de muito escrever.
Apetecia-me dizer que Nietzsche escreveu menos do que queria expressar. Eu acredito que se pode escrever com a própria vida. Não com o sangue reduzido ao corpo mas também com o espírito que é alimento essencial do homem.
Tenho me empenhado numa luta desproporcional a favor de princípios e valores que toda a vida defendi. Curiosamente foi com muito vigor e até com espírito de missão que ajudei algumas pessoas que recorreram a mim, a amigos, a conhecidos envolvidos em situações de injustiça, de prepotência de castigo. Sem crime.
Acreditei que o fazia desinteressadamente, nunca cobrei nada a ninguém, servindo apenas um dever que me possuía e me orientava no caminho a tomar. E cada ajuda era uma alegria, no apoio achava ânimo, no vencer ou ultrapassar barreiras sentia que ficava bem, que tinha feito algo de útil, que a justiça e a terrível ideia de direito que se apoderou de mim, tinham vingado.
Toda a vida, pode se dizer tive de lutar, lutas grandes, lutas pequenas, normalmente contra gente sempre mais poderosa, não vejo decência em tocar em mais fracos, e perdi algumas, sou humano, erro, e às vezes não imaginamos sequer onde pode chegar a força do adversário, e pude festejar algumas vitórias. Não sei fazer o balanço. Não estou emcondições de dizer que se pudesse voltar atrás mudaria o meu modo de estar, e com isso possivelmente teria tido uma vida mais fácil, e teria, se me tivesse vendido fácil, uma vida bem melhor.
Hoje não consigo fazer qualquer tipo de exercício. Escrevo com dificuldade. É o sangue que parece ter perdido ímpeto dentro das veias, ou deixou de irrigar alguma parte de mim mesmo. Mas continuo a escrever. E continuo a lutar. Sinto a cabeça estalar, quente, como se fosse explodir. Sinto um formigueiro que me apanha o corpo e parece atacar o próprio pensamento. Estou muito cansado. Apetecia-me dormir, ou fugir para bem longe onde ninguém me conhecesse. Como se fosse um criminoso e tivesse necessidade de me esconder.
É seguramente a última guerra que vou travar. Se o corpo e a alma conseguirem aguentar. Mas só entendo uma fuga de combater se cair, e não tiver mais forças para levantar. Aí será escrever com a própria vida. Pois não há vida possivel quando deixamos de conseguir defender as nossas causas. Quando sucumbimos de fraqueza perante a ignomínia, a tirania, a maldade e a injustiça.
Ainda penso, mas estou de facto à beira da exaustão. Incompreendido por quem devia me apoiar. Sem aliados. Como eu me habituei a esgrimir, sózinho.
Acredito que se não for eu, se não for por tudo o que tenho tentado e lutado, a verdade não morrerá jamais, e com ela, vai supostamente impôr-se a justiça.
Agora sou eu que digo, só acredito nos que escrevem com a sua própria vida. E mais não consigo escrever...
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