12 abril 2009

CUIDADO

…Cuidados!? Sigo desprezando avisos!


Tinha tudo, em mim, para seguir sereno o meu caminho
Deveria percorrê-lo pausadamente, mas de modo seguro,
Não deveria ter dúvidas, nem medos, menos sobressaltos
Não sendo recomendável desistir, nem se poder parar,
A um encobrir repentino de um sol, ao inesperado escuro
Manto que não deixa de ser a inquietação que invade
O ataque da vespa que não podendo sorrir, busca assim
No lançamento do mais sórdido e mortal veneno
Toda a cor, todo o brilho, malevolamente, acinzentar.




Tinha tudo para olhar-te e sorrir
E deveria seguir o coração, crendo na beleza
Dos sentires que se revelam descontrolados dentro de nós

Tinha tudo para entre a razão e a ausência dela
Sentir-te, ou não o podendo realizar, imaginar-te
Ao meu lado, no campo de divagações onde vivo
Despreocupado face ao rigor de especulações
Onde não existe nem alma nem sonho
Só equívocos, alicerçados em potenciais
Razões feitas de excessos incomensuráveis



Tinha tudo para seguir em frente e correr
Atrás de intensos cenários de ternura e amor
E para livremente poder declará-los a todos
Gritando aos homens entre pulos entre nuvens
E corridas libertinas atrás das aves

Tinha tudo para poder ser um poeta de canções
Sem quaisquer limites, nos termos somente iguais
Ao que podemos idealizar e desejar alcançar

Sem limites, declarando querer e saber, e afinal
Perseguir aos turbilhões como querendo aí beber
A magia do encanto tocando inimagináveis sensações



Queria e tinha tudo, ali, junto ao meu caminho
Para criar, e para sonhar, e para sussurrar, baixinho
Amores, sejam reais, ou simplesmente, poema

Mas repentinamente estremeço, de dúvida
Da tal concretização dos sonhos mais belos
Que sempre foi um paradigma maior
Agora posto em causa, sem mais,
Repentinamente balançando em rumores
A gritos desumanos que troam nas veredas
Escondidos em sábias predilecções de deuses
Ocultos na frieza de palavras sem vida



Porque se intrometem seres perdidos
De uma existência quimérica onde o calor não é
Nem pode ser revelação nem de sonho nem de ser
Porque atacam quem busca, mordendo quem passa
Provocando temidos pânicos, inaceitáveis agonias
Apenas tentando provocar o fim, o termo
Da ilusão que de outro modo poderia converter-se
Se não na verdade mais clara, num sonho belo
Que os mortais, todos, deveriam alguma vez
De modo naturalmente simples experimentar

Porque destruir movimentos de liberdade
Caminhadas de bandeiras soltas aos ventos
Em defesa de sabedorias sentidas
Assentes em realidades inexistentes
Que o vulcão do futuro não deixará
Segundo esses arautos da tristeza colectiva
De expelir magmas avermelhados de censura
De tristeza combinada com sensibilidades
Com arrogância e audácia
Cuidado… gritam, e matam, e gritam



Que ousar é ultrapassar o campo sem medida
Que crer é blasfémia em paraíso de loucos
Que desejar é simplesmente ultrajar
Milhões de códigos escritos em letras de ira
Milhões de palavras sem pinga de ternura
Centenas de milhar de frases aterrorizando
Sons nos ares em turbilhões, sibilando

Quem são esses loucos deuses e de que reino saíram
Para gritar aos sete ventos a completa perdição
De gente inexistente, ou de pessoas querendo viver
Que imaginando, ou querendo adivinhar
Lançam dardos impregnados de poções maléficas
Avisando, “cuidado”, enquanto as chamas
Que lançam junto ameaçam chamuscar
A poesia de uma ilusão feita escrita
Lançada paulatinamente aos caminhos



Tive mil dúvidas, tremi, aqui confesso
Não sou ninguém perante fantásticas forças
Que apontam sentires e gritam “cuidado”
Que descobrem extraordinárias ameaças
Que entram dentro de nós mesmos,
Nos revolvendo a essência, baralhando o tino
Apregoando o fim do mundo e a tragédia
Revelando futuros envoltos desgraça
De mil sentires feitos no fundo, feitos nada

E se têm razão? Se esses elementos que se julgam
Superiores, sabedores, magos, técnicos da ciência
De tudo saber, se eles, rebuscando dentro de nós,
Podem saber mais do que se passa dentro de mim
E de ti, e dos dois, mesmo nada existindo,
Nem existindo a ilusão de ver concretizar-se o sonho
A ideia de um caminho novo, se olham para a alma,
E descobrem de que é feito a paixão, o querer



Cuidado… esconde a tua ideia,
Não te atrevas sequer a sonhar, nessas noites
Em que deverias no teu leito ser livre para sentires
E afinal para dizeres, para contares, afinal, és gente
E deverias ser livre para cantar, correr, gritar
Bem alto o que é e tudo aquilo que não sendo
Poderia ser, poderias ser um caminho
Uma ilusão caminhando entre brumas
Um mundo potente girando cheio de energia

Cuidado… não revele nem sonhos nem ilusões
Não podes dormir tranquilo, nem te deites,
Seres avançados cientificamente espreitam
Encostam-se ao teu corpo ouvindo dentro de ti
Esgrimem argumentos e edificam teorias
Justificando o fim nefasto dos teus feitos
Que de verdade, não podes conhecer nem imaginas,
Mas que com toda a segurança te vão perder



Cuidado, mil cuidados, olhe o dia de amanhã
O que de mais belo parece pode revelar-se tragédia
O preço do sonho pode ser incomportável
Deixe de sonhar, deixe de querer, ou crer
Deixe de viver. Cuidado, mil cuidados
Viva na dúvida e creia em quem nunca se engana
Viva, siga por aí, mas não se atreva a sonhar
Menos a levar consigo alguém, mesmo inexistente

Cuidado, mil cuidados, não pode apaixonar-se
Não arrisque um sofrer que sempre existiu no amor
Não! Cuidado, …mais cuidados? Não… Nunca poderei
Seguir o iluminado que semeia e mostra a sombra
O poeta que chora feliz o fim do amor
O cientista que descobre ouro na areia da praia



Cuidado, eu vou continuar a cantar bem alto
A alegria de imaginar mais campos semeados de flores
A melodia feliz impregnada de doces encantos
Os delírios de bater-se por muitos e belos sonhos
…cuidado, mesmo sendo apenas a solitária pessoa
Vou continuar a fugir do veneno da vespa
Da sabedoria altaneira desprovida de bom senso
Para me perder, de novo, nas ilusões de amores

Vou ter cuidados, muitos cuidados, em resistir
Em seguir esse caminho possivelmente estreito
De escrever pinturas de delírios de mil cores
Em manter-me longe dos eruditos saberes
Que entristecem e amordaçam a vida
Dos pequenos nadas que afinal terminam sendo
Quase tudo. Vou ter cuidado, vou ver se consigo
Manter-me igual a mim mesmo. Ser eu…



Vou ter cuidado, muitos e atentos cuidados
Vou prevenir-me de alheios sentires
Buscando, na vida, o que podemos recolher
O desfrutar gostoso de maravilhas e sonhos

Vou manter-me tal e qual sou, pouco e muito,
Podendo crer muitas vezes ser quase nada.
Mas desejar, mesmo me perdendo, senti-la
Vou teimosamente seguir essa sensação maravilhosa
Que desejo sempre manter ao meu lado
De sorrir ao que posso imaginar sabendo
Que tudo isso que trago de um pretenso vazio
Enche, anima, e faz sorrir, os meus olhos



Tinha tudo para criar aquilo que eu próprio
Desejava ter dentro de mim, que me desse alegrias
Sem fim, sem os limites estreitos, de uma razão
Que sempre termina se revelando tirana
E a falta dela que nos levaria a uma irreflectida
E imensa, atordoável e indesejável, loucura

Tinha tudo para ser poeta, enloucado, bem sei
Mas livre e criador seja do que possa ser, mas meu
Sempre seria. E caminharia aparentemente só
Tendo em redor de mim as minhas ilusões
E amores… mas seria eu, e só, carregaria meu mundo
De entrega a qualquer ser, existente ou não,
Sem submeter-me a inspecções cuidadas
De entes carregados de razões, de saberes
Menos de harmonia e de paixões



Quero perder-me, em cada instante, só
Criando ou vivendo o mundo onde habito,
Ou na falta dele, imaginar a minha própria aldeia
Onde vivo os mais valorosos feitos, sou feliz,
Acompanhando em cada passo, o que crio,
Dando as mãos às personagens que invento
Beijando tranquilo os lábios que creio amar

Quero encontrar-me. Comigo, em cada momento
Só. Tranquilo. Feliz. Usufruindo em liberdade
De um caminhar entre galerias de mil cores
Livre de arautos de desgraças e de sofreres sem fim
Liberto de razões sem qualquer toque de humanidade
Quero envolver-me e afinal perder-me
Em mim, sonhando-te e te querendo



Tenho tudo para continuar a seguir-te
E recusando as críticas e os avisos prudentes
Continuar a ser só simples pessoa
Que deseja seguir o seu mundo

Quero continuar a inventar idílicos paraísos
A segui-los mantendo comigo as mais belas ilusões
Quero continuar a crer na magia e no sonho

E assim repudiar o razoável que se esconde em regras
E em bons olhares, em conselhos, em cuidados
Vou seguir, igualinho a antes, contigo e sem ti

Vou seguir, desprezando avisos, sem quaisquer cuidados
Comigo, e contigo, os dois, ou nenhum de nós… sempre

2 comentários:

Liliana G. disse...

Pedro, es increíble la producción de este poema. Por su extensión, por su fuerza, por sus metáforas y por la realidad que tan bien queda plasmada en él. Es un gusto leerte.
¡Felicitaciones!
Un fuerte abrazo.

mariam [Maria Martins] disse...

Pedro,
fantástico o teu 'escorrer' de palavras ...
fantástico 'tratado' 'ensaio(?)' ...

um sorriso :)
mariam

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