14 março 2009

O povo saiu à rua…

13 de Março de 2009
Lisboa

Marquês de Pombal… o povo de bandeiras ao alto, saiu às ruas

O povo saiu à rua. De todo o país saíram inúmeros autocarros que se dirigiram ao coração de Lisboa। Podemos vê-los na primeira imagem, alguns deles, junto à Praça do Marquês। Ali, nesse local de convergência, então, nacional, se foram concentrando milhares e milhares de trabalhadores portugueses em protesto. Porque a crise afecta cada vez mais as famílias, porque os direitos sociais parecem cada vez mais esquecidos daqueles que deveriam acautelar essa riqueza e essa demonstração de progresso e civilização, que é o garantir da dignidade e dos valores elementares que devem nortear o homem; justiça, educação, liberdade e saúde… entre outros। Porque os apoios governamentais parece dirigirem-se aos que – tu cá, tu lá – convivem na abundância, na especulação, nas negociatas de milhões, na promiscuidade entre os que podem e têm, e aqueles que ainda não podendo, ao convívio com aqueles, não faltará muito, que milagrosamente, mostrem ter, assim, de um dia para o outro, fácil. Basta ser esperto.
O povo saiu à rua… em luta. Contra o desemprego, contra a diminuição do rendimento, contra a precarização do emprego, contra a mobilidade laboral e o famigerado pacote de leis cada vez menos justas que parecem só servir a gula de uma máquina voraz que já mostrou a todo o mundo, que tanto comeu, que ia deixando todos de tanga.

O povo saiu à rua, para dizer basta. Para dizer que o regabofe de um liberalismo irresponsável deveria, depois de analisados os nefastos resultados de uma economia à deriva tipo cavalo à solta em campos abertos, deveria dar lugar a uma economia sensata, controlada, organizada, onde o homem fosse posto no centro da vida, do mundo. E não o contrário.
O povo saiu à rua para gritar a sua indignação a tantos que traíram a confiança, aos que elegeram, naquilo que parece ser uma democracia pluralista – mas não é em bom rigor – e que depois, sentados na cadeira do poder, esqueceram promessas, causas e obrigações – entre elas o dever de bem governar – e, irresponsavelmente têm levado o país para uma situação sem retorno, de pobreza, de endividamento, de corrupção, de compadrio, sem justiça, sem educação, cada vez com menos saúde, e liberdade.
O povo saiu à rua…
Eu, também fui, com outros, arrebanhando gente por essas terriolas alentejanas, levando e escutando mágoas, histórias de revolta, desilusões… Levei quatro horas a chegar à capital, mas foram horas de reflectir e de olhar. Quem diria, mais de trinta anos depois da revolução dos cravos, acabamos por apenas legitimar o que antes era culpa da ditadura. A paz que não é possível obter em estômagos vazios. A casa que se entrega à banca por impossibilidade de pagar a prestação mensal. O pão que de pior qualidade rareia de novo por salários em atraso e muito desemprego. A saúde que cada vez é mais cara e diferente para os que a podem pagar e aqueles cujo remédio é arrastar-se nas listas de espera para uma cirurgia, ou num emaranhado de contas, sempre maiores de taxas e custos. O trabalho que neste caminho não tardará a ser de sol a sol, sem regras e à mercê de um patronato pouco criativo, pouco qualificado e sem mais ambições que o enriquecimento fácil, nem que seja à custa dos que trabalham.
Acabaram aqueles rostos cinzentos da ditadura… mas não acabou a injustiça social, a pobreza, as sempre crescentes diferenças entre ricos e pobres com os pobres cada vez mais pobres e vendo engrossar assustadoramente as suas fileiras. E os ricos, não fora a crise em que detêm imensas responsabilidades, estariam cada vez mais ricos. E uma nova classe, emergente, de glutões sorridentes e com bom e esclarecido viver, que facilmente se instalaram nos lugares mais bem pagos da administração pública e das empresas do estado, amigos, familiares e do partido. Acabaram aqueles rostos, secos, escuros, sem brilho, dando lugar a um colorido sorridente de vedetas, que singram fácil na vida, que sorriem, que mostram ao mundo um Portugal novo, de alguns, prósperos, felizes, bem na vida, que diferentemente dos cinzentões, são legais, constitucionais, de direito, tudo certinho e de acordo com os mais modernos e avançados regulamentos.
Mesmo que o povo continue cada vez mais pobre. Que cada vez seja necessário trabalhar mais para ter menos. Que se trabalhe sem saber ao menos alguma coisinha do que será o futuro. Agora trabalha-se para pior, ao invés de antes que se trabalhava esperando um dia em que se poderia alcançar um dado objectivo. Hoje sabemos o que temos, que é menos que ontem, e será seguramente menos que amanhã. O futuro está ameaçado. Nas dívidas que os nossos filhos não deixarão de ter de pagar. No clima. No ambiente. No que se come e bebe. Na água.
Entretanto os nossos governantes continuam a aparecer em público com ar respeitável, com o sorriso de quem sabe, e com ar de quem faz bem feito. Seguros e confiantes eles sabem que a partidocracia garante tacho hoje, com sorte ainda por alguns anos, mas depois de perdido, normalmente por cansaço mais que por mérito de algum arauto de novos caminhos a trilhar, voltará a comer da manjedoura.
Esta alternância de asneiras e mais asneiras não só nos leva a perpetuar uma imagem de povo desorganizado, inculto e incapaz, menor, tipo da segunda entre eleitos, mas á tragédia, de irresponsavelmente condenarmos um povo, e uma ou duas gerações a olhar para o mundo e para vida sem qualquer entusiasmo.

Sem entusiasmo não há povo nem país que possa resistir.


Por isso, o povo saiu à rua… de bandeiras na mão, triste, sem futuro, caminhando nas avenidas sem poder sonhar.

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